quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Três Historinhas (parte I - Do Pescoço Pra Baixo)

Eu gostava de jogar bola,
De ir ao cinema,
De cozinhar,
E queria ser pra sempre virgem,
Tinha ascendente em virgem,
Meu corpo era templo e altar,
Que eu nunca profanaria,
Mas um dia jurei amor
E aprendi a amar virílhas.

No início, só era coito,
Rebolado e penetração,
Mas depois foi virando vício
E viver se tornou difícil,
Nada mais me era diversão.
Aprendi a chupar vaginas,
No início, bem comportado,
Mas depois, fui desaprendendo
A tomar cuidado:
Deixar Marcas, ficar marcado,
Era esperma pra todo lado
E foder no meio da rua.
Toda mulher pra mim era nua,
E eu, fome pura,
Só queria comer.

De repente, perdeu a graça,
Minha vida ficou vazia
E eu, já querendo me matar,
Descobri o que me apetecia.

Amava mulheres casadas,
Agora só queria as maduras,
Trocava ninfetas por tias
E passava noites e dias
Sentindo tesão em lares destruídos.
Não podia entender tal mistério:
Minha alma amava adultérios
E viver virou ser melhor que maridos.

Mas me enchi de experiência,
E já não queria mais.
Procurava outro sentido
E achei pouco produtivo
Transar com animais.
Isso é coisa costumeira,
Tem lugar certo em prateleiras,
E eu só voltei a gozar gostoso
Comendo um cano de descarga.

Ah! Como a vida era boa!
Meter com muros, com paredes,
Árvores grossas, de folhas verdes,
Cadeiras de escritório,
Caixas de correspondência,
Almofadas, melancias,
Se era macio ou doía,
não fazia diferença.

O importante era ser feliz,
E se me achavam imundo,
Era porque eu amava demais.
Amava todas as coisas do mundo!

Mas achei meu eu verdadeiro
Quando andava pelas ruas,
Olhava pras construções, pros andaimes,
E queria comer os pedreidos.
Lajotas de sobremesa.

Eu virara um homem fantástico!
Amava eletrodomésticos,
Viril que era uma beleza,
Curtia orifícios de perna de mesa
E a janela lá de casa me correspondia.

Mas nem tudo na vida é bênção,
E eu colecionei doenças,
linchamentos, distúrbios
E mil coisas pouco sadias,
E fiquei, por isso (eu acho),
Paralisado do pescoço pra baixo
E perdi toda a minha alegria,
E meu prazer, hoje, só consiste
Em recitar poesias.

domingo, 10 de agosto de 2008

Contra o Fetichismo do Compositor Intelectual

O Compositor Popular, o Cantador, não é aquele que faz a música boa, em contraposição à música ruim que as massas consomem. Este é o trabalho do intelectual, e esta música é para a elite, nada popular.

Quando me refiro a Elite, não quero falar de um grupo de pessoas melhores, de uma raça nobre, de uma camada superior a outra. Mesmo porque isso seria sinônimo de, na contraposição com o popular, fazer deste uma camada inferior. E o que eu quero é justamente negar que haja uma relação de nobreza e servidão, de musicalidade boa ou ruim, de superioridade e inferioridade, entre a elite e o popular. E para isso, começo afirmando: Popular e Elite raramente coexistem harmonicamente.

A idéia de um compositor popular diz respeito a uma criação musical que não tenha origem na alma dos livros de teoria musical, ou na métrica e na rima rica, ou no avant-garde que teoriza belamente para romper com métricas e com rimas ricas. A submissão da qualidade musical à técnica, à intelectualidade, faz da música algo indigno de uma leitura não esclarecida, que é a leitura do senso comum. Dessa forma, as massas consomem músicas sem qualidade, e o "pensamento científico da qualidade musical" diz respeito a uma minoria que inventa o que realmente vale a pena ser consumido, o que faz do seu consumidor um ser pensante. Esta seria a música da elite.

A música de elite, ou música de qualidade, disputa o espaço do mainstream radiofônico com as músicas de massas, que seriam sem qualidade e burras. Me parece óbvio, apesar de eu achar que nem todo mundo consiga notar, que esta é uma depreciação da ótica do senso-comum, e aí está implícita a idéia de que a música de qualidade é para poucos...

...a não ser... A não ser que todos se tornem como os poucos. O mundo conheceria a verdade se todos fossem como os poucos que a conhecem. Seja todos se tornando cristãos e abandonando a forma mundana de ver o mundo e viver nele. Seja todos se tornando científicos e racionais, e abandonando a forma como o senso-comum vê o mundo e vive nele. Seja todos se tornando apreciadores da boa música, e abandonando a forma como a massa compreende a música e a consome.

Enfim. Esse paradigma nos atravessa de canto a canto. E me parece que a música dos compositores populares nem é a música de qualidade, que argumentamos ouvir quando queremos nos diferenciar da ralé, mas nem por isso é a música de massas, a chamada música burra. A negação da elite não é uma apologia ao consumo burro que a música da elite critica. A negação da elite, no fazer dos compositores populares, não se dá sem uma outra negação, que é a negação do paradigma que classifica música entre dois polos, o das músicas boas e o das ruins.

Como eu disse, o paradigma da música para as elites ou para as massas, o paradigma elitista, em geral entende que as massas ocupam os espaços radiofônicos e comerciais que a música de elite deveria, por direito, ocupar. Isso porque ela é que é a música de qualidade. Aparentemente os apreciadores das chamadas músicas das massas não enxergam o consumo de música dentro deste paradigma. Eles não se veriam como A Massa, ou como A Ralé, racionalmente consciente de consumirem lixo.

Acontece que muitos dos consumidores das músicas de sucesso no mainstream a entendem como a música de sucesso por ser de qualidade. Então a música que não vende, que não lota casas de shows, que não toca em parques de exposições, que não está na boca do povo, não teria qualidade, e por isso não cativaria o povo, não o faria consumi-la. Me parece que esta é apenas uma inversão da lógica das elites, mas dentro do mesmo paradigma.

O paradigma que eu aponto, a meu ver se caracteriza por três elementos. O primeiro é a contraposição entre a música boa e a ruim, de forma maniqueísta, que é o que eu chamaria de critério da qualidade. O segundo é a concepção de que a qualidade tem que ocupar os espaços radiofônicos, do mainstream, que insere a contribuição que a música pode oferecer em uma lógica de produção, distribuição e consumo. O terceiro, que é praticamente quem distingue a forma "das massas" e a "das elites" de pensar dentro deste mesmo paradigma, é o elemento da inteligência musical, que diz que a música é inteligente: ou por ser produzida por um processo racional de composição/criatividade; ou por ser produzida por um processo de composição/criatividade capaz de fazer com que ela atinja as massas, e conseqüentemente, venda. A segunda visão parece estar centrada na lógica do capital, enquanto a primeira se centra na racionalização da criação, mas a primeira visão, a das elites, na verdade apenas acha que a lógica do capital deveria consumir o que é racionalmente criado. O que esses três elementos apontam, a meu ver, é que este paradigma entende a música como elemento de exclusão, de estratificação social, e como mero produto a ser consumido pelas massas. Aqueles que fazem músicas que as massas não consomem, sonham com este consumo.

O Compositor Popular aparece para mim como um elemento que não entra neste paradigma. Quando eu digo que ele não é das elites nem das massas, é justamente porque a música que ele faz não se rotula dentro dessa cisão da sociedade em elite e massa. Essa forma de separar o corpo social o enxerga como um corpo composto por consumidores. E disputa espaços de consumo musical que são secundários para o Compositor Popular.

O corpo social para o Compositor Popular é, em geral, composto de pessoas, e pessoas não são elite ou massa, não são consumidores de música boa ou de música ruim. Pessoas para o compositor popular não são consumidores, mas matérias primas para a produção. O Compositor Popular não é A ORIGEM de sua obra, ele é A USINA em que essa obra é produzida. Ele ouve a voz das pessoas, e faz essa voz reverberar. A música do Compositor Popular não é boa, ou ruim, isso não é questão pra ela... Ela só quer ser a música das pessoas.

O paradigma das elites entende o compositor como ponto de origem da música, de forma que ele é o sol que emana. Então a qualidade dos raios de sol emitidos é conseqüência da qualidade do sol que emite tais raios. A competência permite que se faça boa música, a incompetência ou falta de caráter faz com que se faça música ruim ou descartável. O Compositor Popular muda o centro do sistema do compositor para o ouvinte. Agora ele não é mais apenas consumidor, ele é fonte dos afetos, dos fluxos de desejo que atravessam o corpo social. Isso faz com que o Compositor Popular não tenha a obrigação de ser intelectual, mas sim a necessidade de ser sensível a tais fluxos desejantes.

Este paradigma, no qual o Compositor Popular se insere, entende todo compositor como um dispositivo que, por ser usina que compõe com este desejo oriundo do corpo social, tem responsabilidade extrema pelos relevos que se formam neste corpo social. Não é porque o centro do universo musical é deslocado do compositor para o ouvinte, que o compositor foi isentado de suas responsabilidades. Muito pelo contrário, visto dessa forma, seu fazer reverbera de forma muito mais potente e deve ser muito mais responsável.

No paradigma citado anteriormente, eu só precisava estudar a teoria musical, a poesia e coisas afins, e já estava apto a ser bom. Daí bastava produzir minha musiquinha, da melhor qualidade, e jogar nos sistemas de distribuição e consumo. Se ela fosse ou não consumida, isso dependia da qualidade dos consumidores no mercado no momento. Quer dizer, se ninguém me ouve, a culpa é minha, é a população que é burra, e a culpa é da nossa educação, da nossa cultura, enfim, da nossa população.

O fazer do Compositor Popular, em geral, entende que um cidadão não é mais ou menos prestável de acordo com sua "cultura", com sua capacidade de racionalizar. Procura entender o ouvinte de uma forma um pouco menos fascista, um pouco menos elitista. O Compositor Popular, ao ser sensível ao lugar central das pessoas no processo de composição, torna-se muito mais responsável, porque não pode ser usina de qualquer maneira, porque tem que fazer uso consciente do desejo que modula na produção de sua obra.

Com tudo isso quero dizer que a música não é burra ou inteligente, ela é responsável ou irresponsável, e a música inteligente pode ser muito irresponsável, e a música burra, não tenho medo de afirmar, pode ser extremamente responsável. E se acho que isso não é pouco importante, é justamente por compreender que inteligência irresponsável, tanto ao longo de nossa história quanto hoje, a cada momento, por todo canto, produz fome, miséria, exploração, chacina e genocídio.

"Salve o Compositor Popular"!



Usinas que alimentaram este manifesto/desabafo:

Ednardo
Itamar Assumpção
Sérgio Sampaio

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Da Tortura que Tritura.

euFECHOosOLHOSeVEJOumESCUROcéu, CHEIOdeESTRELAS. éMUITOlindo,MASsóCONSIGOverTRISTEZA. mesmoPORQUEeuSEIqueTALbeleza ÉconsequênciaDEumaCONSTELAÇÃOdeFARELOS deUMAexuberanteLUA, queAsaudadeTRITUROU.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Três Acordes

Essa coisa dos três acordes, do "do it yourself", tem me impregnado, e isso tem me emancipado.

Eu sempre quis fazer música, e achava que não estava pronto. Fiquei me guardando por muito tempo, "me guardando pra quando o carnaval chegasse". E estudar pra ser um grande pianista era um projeto longínquo, e não a primeira de minhas prioridades. Ouvir Villa-Lobos é muito mais leve do que ler Nietzsche, mas ser estudioso de Villa-Lobos estava muito mais distante do que meus braços esticados poderiam alcançar do que ser estudioso de Nietzsche. Já estava de braços dados com Nietzsche - que é só um exemplo.

Acho que agora a ficha me caiu. Eu nunca farei música se ficar esperando estar pronto. Este estado não existe, existe estar se aprontando, e a vida é isso. Sempre mais e mais. De onde foi que eu tirei essa idéia de que eu tinha que saber fazer pra começar? Aprende-se fazendo, e eu me dei conta de que esperando saber, eu nunca faria e nunca, nunca mesmo, aprenderia...

A crítica literária, musical, artística, especializada, enfim, sempre elogia os "artistas que nasceram prontos". O poeta que em seu primeiro livro divide a obra em dois tomos com conceitos, cá wittgesteinianos, lá cabralinos (ou como queiram chamar); a pintora que remete, em seus traços e cores, às tendências da contemporaneidade exacerbada dessa primeira década do terceiro milênio. Puta merda! Quanta arte, beleza e invenção não cabem em uma roda de violão!

Acaba que, em nível de música, eu vinha tendo uma postura oposta, quanto a isso, da que eu tenho tido em todos os campos de minha vida. Eu esperava estar apto a uma entrada triunfal. E se antes desta entrada triunfal, eu errasse, estava disposto a apagar o passado que me maculava, pra tentar mais uma vez entrar lindamente.

Hoje eu me dou conta de que o caminho não era esse, que a banda em que fui tecladista, ou o coral em que sou barítono são possibilidades, mas não as únicas. Achava que ali dava conta por não estar sozinho, mas que não deveria arriscar sozinho, por estar me maculando. Se eu erro em grupo, tenho a desculpa de que sou apenas uma fração deste coletivo que componho, e que só uma fração do coletivo errou. Se erro solo, um erro apenas é erro de 100% dos agentes do processo.

Algum tipo de vontade de verdade me regia, quando eu evitava tocar Ednardo perto das pessoas, e só arriscava sozinho na beira da lagoa ou na minha cama, no quarto fechado. As pessoas queriam ouvir músicas que elas conhecessem, reclamavam das que ainda não conheciam. Mas quando eu tocava, nas rodas de violão, algo conhecido, ficava com a sensação de que ninguém estava nem aí.

Rodas de violão não são shows, e errar não é comprometer o sucesso do futuro. A linguagem que nos domina, e que achamos ser a nossa única, nos faz enfileirar passado, presente e futuro. Mas os famosos três acordes não precisam estar sempre na mesma ordem.

Nem precisam ser sempre os mesmos três. Porque três podem ser quatro. São dois conjuntos de três que têm dois elementos em comum. Sobreposição, intersecção. Passado, presente e futuro não passam de três acordes na harmonia de um punk rock e/ou de uma balada tocada em uma roda de violão.

A Bossa Nova (isso é uma brincadeira com essa minha pseudoteoria) não passa de vários punkrocks sobrepostos. A base de todo acorde é tríade, mesmo que ele seja tão acidentado quanto o Coyote perseguindo o Papa-Léguas. Uma canção com dois acordes, na verdade, tem três. Um deles é a somatória dos outros dois, ou é um dos outros dois, depois de ter perseguido o Papa-Léguas.

O universo se resume a três acordes. E a sequência aleatória de acordes acaba um dia se repetindo, e eternamente retornando.

Assim sendo, não custa nada macular meu passado, tocando Clash, Smiths e Legião Urbana ao invés dos estudos de Villa-Lobos. O violão é a alternativa para mostrar ao Punk Rock que ele não é absolutamente rebelde e agressivo, que ele também pode ser submetido àquela velha fórmula do banquinho, mas também para mostrar à bossa nova que emitir acordes dissonantes pode ser apenas uma forma sofisticada de sublimar um desejo inconsciente de gritar inconformismos.

É notório que preciso dizer mais uma coisinha: A questão não é ter que escolher entre dois extremos, ou entre dois objetos distintos. Punk Rock e Bossa Nova representam, aqui, dois polos de um mesmo eixo. Um único objeto, como um vergalhão. Ele não se resume às suas pontas, ou a uma delas. Nossa existência, inclusive a musical, desliza entre estes dois extremos. A palavra é gradação.

E Guimarães Rosa já nos deu a dica, quando o pai de um de seus narradores optou por inventar suas escolhas.

Pois a mesma linguagem desgastada que nos impõe a cronologia repetida e neurótica do passado, do presente e do futuro, também nos impõe que temos que escolher entre a margem de cá ou a de lá, entre o bem e o mal, o bom e o mau, o quente e o frio, o preto e o branco, o louco e o normal, o mainstream e o underground, o chic e o brega, a moda e o anacronismo.

Enfim, aquele pai rosiano escolheu por não ser obrigado a escolher entre uma das duas margens que lhe ofertaram. Ele escolheu criar a terceira.

E não, isso não é ficar no meio do rio, dentro da água. É inventar um terceiro solo pra criar. Um terceiro acorde pra fazer punk rock. Porque eu não preciso escolher entre Ramones e João Gilberto. Eu posso muito bem querer a Marisa Monte.

E ainda assim não abrir mão das outras duas opções, e das mil outras. Três não é um a mais do que dois. Três é a multiplicidade.